Infância

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quarta-feira, 25 de julho de 2007

Vampiro às Avessas


Estavam todos ali. Sequer perceberam a ausência de Ariosvaldo. Nem mesmo um comentário distraído (indevido) a respeito do único filho dos donos da casa. Curiosamente, os donos da casa, excelentes anfitriões, não se preocuparam em explicar (lamentar) o paradeiro do adolescente.

E Ariosvaldo, em seu desespero, tentando, a qualquer custo, revelar-se. Gritava. Esperneava. Agredia o vidro, já sujo do sangue das mãos e dos pés e da cabeça. Em vão. O som não era capaz de fatigar o vácuo que havia entre ele e o mundo. E as manchas e as cicatrizes deixadas no espelho não eram visíveis do lado de lá.

Ariosvaldo não era mais gente. Ariosvaldo era reflexo. Da mesma forma que não enxergava o reflexo daquela gente, aquela gente já não o enxergava enquanto gente. E não sendo gente, não lhe restara sequer a possibilidade de refletir. O improvável reflexo do reflexo.

Se os sentidos não estivessem tão apurados. Se não fosse capaz de absorver cada detalhe do jantar. Se o aniversário de casamento dos pais não surgisse enquanto lembrança familiar demais. Se. Se. Se. Seria mais fácil sujeitar-se à condição maravilhosa e absurda que o sujeitava e oprimia.

Subitamente. Explosão. Estilhaços. Apenas fragmentos do caríssimo ornamento de vidro que ocupava uma parede inteira da sala. Perplexos, os convidados abandonaram a casa. Sentadinhos, os pais de Ariosvaldo. Contemplando a efemeridade das coisas que amamos.