Infância

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segunda-feira, 26 de maio de 2008

Réquiem


A caminho do velório de H. Dobal – o carro abarrotado de alunos -, questionamentos. Professor, “H” é de Henrique? Não, é de Hindemburgo. Risos. Menino é capaz de brincar até com o nome do poeta. Não me incomodei porque sabia que Dobal – divertido – já sorrira várias vezes da singularidade do próprio nome. Professor, ele era o melhor poeta piauiense? Para boa parte da crítica, sim. Mas existem escritores como Torquato Neto, Mário Faustino e Da Costa e Silva que permanecerão sempre em primeiro lugar nesse ranking desmedido, estapafúrdio e inútil. E digo mais: o artista, imortalizado pela arte que produziu, sempre será. Não importa se o melhor ou o pior. O engajado ou o desengajado. O universal ou o regional.

Na Assembléia Legislativa, uma surpresa. Uns vinte gatos pingados velavam o poeta. Professor, pensei que ele fosse mais conhecido. Suspiro. Silêncio. Desculpa qualquer: é que estamos na hora do almoço. Ainda vem muita gente. Muita gente. Escritor parece que só é valorizado depois de morto! Não é verdade, professor? A imprensa está aqui. Acham mesmo que estariam filmando o velório de um estranho? O Kaio tem razão, pessoal. E é transmissão ao vivo! Enquanto a discussão a respeito da popularidade de H. Dobal prosseguia, limitei-me a provocar a memória e a resgatar lembranças escassas dos poucos momentos em que estive com Dobal.

Massageando as mãos geladas do poeta e tentando reconhecê-lo, escondidinho sob a máscara estampada da morte, só conseguia pensar no sorriso espontâneo e no olhar emocionado que nem mesmo a doença fora capaz de destruir. Muitas vezes fiquei intrigado com a energia positiva daquele homem que percorria a cidade em sua cadeira-de-rodas, deslizando macio pelos corações de cada um de nós, distribuindo, além de versos maravilhosos, simpatia e compreensão.

Afinal, estávamos ali. Salão Nobre da Assembléia Legislativa. Resignados. Declamando poemas. Contemplando o que ainda havia de matéria em H. Dobal. Os sentidos apurados. Percebendo, sinestesicamente, não o abafado das velas, mas “os campos do verde plano/todo alagado de carnaúbas”.

quinta-feira, 15 de maio de 2008

Renúncia


Enquanto tu fores carne

Simplesmente carne

E osso

E fosso

E não houver – em ti - sequer um resquício

De alma

De calma.