Infância

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quinta-feira, 24 de abril de 2008

Filhos do Carbono


Considerando a influência da cultura e da educação que transcendem o ser humano, “batendo”, “passando”, mas deixando marcas profundas, é importante ressaltar que a sociedade criticada pela Pitty, na música Admirável Chip Novo, é patriarcal, autoritária e narcísica:

Pense, fale, compre, beba

Leia, vote, não se esqueça

Use, seja, ouça, diga

Tenha, more, gaste e viva

Pense, fale, compre, beba

Leia, vote, não se esqueça

Use, seja, ouça, diga...

Uma sociedade contemporânea estruturada a partir da definição de gênero. Uma sociedade concebida a partir do momento em que o matriarcalismo pimitivo, caracterizado pelo poder “divino” da mulher em gerar filhos, foi substituído em conseqüência das novas tarefas assumidas por homens fortes, livres e sádicos: plantar, colher e guerrear, por exemplo.

Desde então, a mulher passou a ser considerada a frágil, a reprimida, a masoquista. Os verbos no imperativo (pense, fale, compre, beba etc.) constituem o discurso que se fortalece com o advento do Capitalismo. Discurso ideológico, apoiado em ideais de liberdade, igualdade e fraternidade, máquina capaz de aprisionar, rotular e robotizar cada um de nós.

A autora chama atenção para o fato de que ao tentarmos nos adequar ao sistema, passamos a enxergar apenas o que o sistema permite que seja visto. E o que a Pitty estava fazendo no palco do Big Brother Brasil 8, interpretando justamente a música que agora nos orienta enquanto reflexão crítica da realidade? A resposta é simples: inaugurando seus mais novos óculos de robô.

O paraibano Augusto dos Anjos (1884-1914) é que nunca pôde desfrutar das lentes capazes de corromper o mais nobre dos artistas:

O homem por sobre quem caiu a praga

Da tristeza do Mundo, o homem que é triste

Para todos os séculos existe

E nunca mais o seu pesar se apaga!

Morreu aos trinta anos de idade sem atingir o perfil de homem ideal. O sofrimento psíquico, simbolizado pelo pessimismo presente no conjunto da sua obra, foi gerado pela exclusão social. De uma família de senhores de engenho que não se adequou às transformações tecnológicas advindas do processo de industrialização, a inteligência invejável não bastou para que pudesse prosperar financeiramente.

Ao contrário da roqueira Pitty e de muitos artistas da atualidade, Augusto dos Anjos esteve sempre desconfigurado:

E eu sinto a dor de todas essas vidas

Em minha vida anônima de larva!

domingo, 13 de abril de 2008

Bullying


A expressão bullying (valentão) abrange comportamentos agressivos de um ou mais estudantes contra outro, numa relação desigual de poder. Intencional e repetitivo, esse comportamento que se manifesta sem motivo aparente, envolve o ambiente escolar numa atmosfera de medo e ansiedade.

Bullying virou uma espécie de sinônimo de violência escolar. Todo tipo de agressão, seja ela física ou verbal, com o objetivo de humilhar e ridicularizar encaixa-se no conceito. Mais grave ainda é perceber que os agredidos acabam sentindo-se culpados, porque são feios, gordos, etc.

Os alunos, vítimas da hostilidade que os acompanha, muitas vezes durante anos, poderão não superar o trauma, tornando-se adultos negativos, hostis e com uma baixa auto-estima.

Mesmo sendo um dos principais problemas, diante de tantos outros que permeiam a educação de crianças e adolescentes, a prática do bullying só começou a ser de fato estudada há pouco mais de dez anos. Segundo o médico Aramis Lopes: “A única maneira de se combater o bullying é através da cooperação de todos os envolvidos: professores, funcionários, alunos e pais. As medidas tomadas pela escola para o controle do bullying, se bem aplicadas e envolvendo toda a comunidade escolar, contribuirão positivamente para a formação de costumes de não violência na sociedade”.

Felizardo (2007) é incisivo ao afirmar que o bullying está presente em todas as escolas. A questão é que essa violência muitas vezes não é detectada. Ou porque a pressão é tamanha que ninguém, inclusive a vítima, ousa denunciar o agressor, ou porque a família e a escola negligenciam o sofrimento que pode levar o indivíduo a cometer suicídio. A morte enquanto única possibilidade de libertação.

Pesquisas realizadas recentemente no Brasil revelam um dado preocupante: O bullying ainda é desconhecido por muitos profissionais da educação, saúde e segurança (FANTE, 2008). O Centro Multidisciplinar de Estudos e Orientação sobre o Bullying Escolar, em estudo apresentado em 2007, revela que “a média do envolvimento dos estudantes brasileiros no fenômeno é de 45%”. Dado bastante preocupante já que situa o Brasil acima da média mundial.

Em relação ao Piauí, o que se percebe é uma carência ainda maior de informações e estudos a respeito do problema. Tanto a rede pública quanto a rede particular de ensino carecem voltar-se para um fenômeno que já alcança números epidemiológicos.

sábado, 5 de abril de 2008

A Fantástica História do Professor que Sonhava Sonhos


A existência é uma maravilhosa máquina faminta de sangue e de dor.

Apenas Jeosá, aos trinta e três anos de idade, parece não atentar para o espetáculo explodindo em fogos e sombras diante dos óculos embaçados. Por isso mesmo absorve – esponja mergulhada no vinagre -, cada palavra-punhal atirada contra o peito esquerdo – como se ali estivesse sepultado o coração.

Impossível alertar o professor de literatura, se o professor de literatura não reconhece a história da sua vida em nenhuma das centenas de leituras que devora. No máximo incorpora o papel de narrador observador e onisciente. Afinal, não há posição mais cômoda. Passear pelas angústias de mocinhos e bandidos, controlando cada passo, cada decisão, cada vitória, cada derrota, permite-lhe esquecer cada passo, cada decisão, cada vitória, cada derrota que o transformaram neste objeto insuportável de medo e desejo.

Apenas quando uma palavra-punhal atinge-lhe o vazio do peito esquerdo é que acorda, momentaneamente, do sonho-torpor que o aprisiona desde a infância. Bom seria não mais despertar. Por mais confusos e estranhos que sejam os sonhos, jamais alcançarão a realidade, enquanto manifestação perversa de todos os delírios. Porque não se acorda da realidade. Porque não dá para respirar aliviado e pensar: ainda bem que tudo não passou de uma realidade. Porquês. Porquês. Porquês.