Infância

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terça-feira, 27 de outubro de 2009

O Baile


O Baile

É possível confeccionar máscaras
Máscaras pejadas de outras máscaras
Disfarces indiscutivelmente autênticos
De uma realidade estável fingida.

Quando a face enodoada pela verdade
Desarranja-se aniquilada em lágrimas
Há sempre novo semblante instável subposto
Impossibilitando o vazio e a escuridão.

O baile prossegue enquanto as sombras
Fazendo-se de gente valsam vistosas
A música espalha-se e propaga mentira
A dança não passa de enganação.

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Salve Geral



Em 2006, entre os dias 12 e 16 de maio, 139 pessoas foram assassinadas em São Paulo. Bandidos. Policiais Militares. Bombeiros. Guardas civis metropolitanos.

Salve. Geral. Selva. Geral. Selvageria. 373 ataques. Delegacias de polícia. Agências bancárias. Metralhadas. Ônibus. Carros. Incendiados. Escolas. Universidades. Repartições públicas. Fechadas. 25.000 detentos rebelados. As investidas foram uma represália à transferência de 765 presos para a penitenciária 2 de Presidente Bernardes.

O filme de Sergio Rezende, candidato brasileiro a disputar o Oscar de Filme Estrangeiro em 2010, retrata tudo isso e muito mais. A exemplo de Zuzu Angel (2006), a protagonista de Salve Geral também é uma mãe capaz de atitudes extremas pelo filho.

Mas, por incrível que pareça, a crônica de hoje não é sobre o cinema nacional. Nem sobre o amor materno. Muito menos considerarei as arbitrariedades da ditadura militar. Pouco me interessa quem são os responsáveis pelo salve geral que aterrorizou a população de São Paulo. Provocarei apenas uma intertextualidade. Na tentativa de estimular a seguinte discussão: Por que no Brasil é tão difícil estabelecer limites entre quem é o herói e quem é o bandido? Entre quem é o culpado e quem é a vítima?

Analisemos matéria publicada em importante portal de notícias de Teresina. A mais recente em relação ao assassinato, na cidade de Corrente, da professora Adriana dos Santos. Segundo os advogados de defesa, está havendo uma “verdadeira caça às bruxas em Corrente. Meu Deus, e olha que não costumo pronunciar o nome Dele em vão, Arnaldo Messias matou, de forma passional, a ex-namorada, no interior da Faculdade do Cerrado Piauiense. Meu Deus, que Ele me perdoe por incomodá-lo mais uma vez, o que fez a polícia se não investigar e conseguir que o criminoso finalmente se apresentasse? Meu Deus, prometo que é a última vez que Lhe reclamo o nome, quantas vezes precisaremos assistir aos belos discursos de advogados, interpretando a lei conforme as necessidades de seus clientes?

Francisco Carlos Constanze, em artigo intitulado Crime Passional, destaca: “O que vige no Código Penal é que a emoção ou a paixão não exclui a culpabilidade de quem fere ou mata uma outra pessoa. Portanto, para o direito penal positivado na norma escrita, não há tratamento específico e mais brando para o crime passional”.

Entendo que houve um assassinato. O triângulo amoroso esclarece o motivo do crime. Mas não desculpa. Assim como a desarticulação de criminosos, ao serem transferidos, também esclarece a instalação de um cenário violento. Mas não justifica.

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Progênie


Permanecer triste. Quando se tem tudo o que sempre sonhou. Encarar a vida. Incerteza. Estremecer diante da eventualidade do amanhã. Questionar-se a respeito do ser. Do não ser. Permanecer atento a tudo aquilo que provoca dor.

Jeosá refletia. Há sete horas. Imóvel. No cantinho à direita do computador. Pensou. Pela primeira vez. Na espingarda de canos duplos paralelos. O enforcamento não era mais uma possibilidade. Idiotice. Torcer. Retorcer. Contorcer. Lençóis encardidos. Tolice. Sufocar. Abafar. Asfixiar. Lençóis bordados. O rubro nome de Joane.

Comprará muitas velas. Dias depois. Mil velas espalhadas pelo quarto. O fatídico dia. Mil pequenas línguas de fogo. O professor de literatura. A espingarda de canos duplos paralelos. Aquele aperto no peito de quando criança. Aflição inexplicável. Insistente. O coração. Instrumento desafinado de percussão.

Por enquanto. À direita do computador. Entre a escrivaninha e o guarda-roupa. Jeosá ouve os conselhos arrastados das três sombras. É a terceira visita. Em três semanas. Falam ao mesmo tempo. Mas o professor distingue cada uma delas com habilidade impressionante. Cada palavra é uma idéia. Cada idéia uma suposição. Cada suposição um caminho a ser explorado. Ao final de cada caminho. A espingarda de canos duplos paralelos.

Ouviu os pés pesados da mãe. Levantou-se. Voltou a digitar. A mãe entrou sem pedir licença. Deitou algumas roupas sobre a cama. Retirou-se. Não percebeu as lágrimas. As mãos trêmulas. A respiração cansada. Não percebeu o filho. Ali na escrivaninha.