Infância

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sábado, 29 de janeiro de 2011

Jabuticabas


Olhos de escuridão. Oitos olhos de escuridão. Dois olhos de escuridão em cada cantinho do quarto de Jeosá. Casca negra perscrutadora. De que importa a brancura da polpa? O negrume impossibilita o trespassar da luz. É a noite passeando durante a noite e fazendo-se notar. Clarear. Surgir enquanto brilho intenso na ausência da luz.

Donde vêm aquelas imagens? Por que encaram Jeosá? Não será possível manejar uma espingarda de canos duplos paralelos sem que oito globos de luz e sombra repreendam as atitudes do professor?

Mesmo com as pálpebras ajuntadas. Mesmo submerso em lágrima-lençol. Mesmo tentando visualizar-se cadáver estendido na cama-sangue após a explosão. Mesmo assim. Haverá olhos de escuridão. Oito olhos de escuridão. Dois olhos de escuridão em cada cantinho do quarto de Jeosá.

Fantasma-fantasia agourando aqueles últimos instantes. Mas não há como desistir. Corrigir. Prevenir. Logo a treva submeterá a treva. A erva entorpecerá a erva. Fumaça e fogo. E Jeosá não mais existirá.

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Causar a morte de


Do barranco para o acostamento. Do acostamento para a BR. Azáfama irresponsável. Vira-lata numa correria-correria desmedida. Pé no freio. No freio. Freio. Felizmente não há outros carros. Apenas um cachorro suicida. O impacto inevitável. E carne e osso e sangue. Enquanto os pneus protestam - aos berros - contra o asfalto.

Inevitável. Acidente. Causalidade. E quantos pensamentos intensos-tensos em tão curto espaço de tempo. Não perder o controle do carro. Manter firme o volante. Não permitir que o automóvel deslize para o lado oposto da pista. VÁCUO. Agora o mundo de cabeça para baixo. Dezenas de pernas movimentam-se de um lado para o outro. O carro sacoleja-sacoleja. Dezenas de pernas (as opiniões são as mais diversas) discutem-discutem a minha libertação.

Contrição. Por que tanta pressa de (não) chegar? Em meio a ferragens e carne e osso e sangue é muito fácil perceber a estupidez e a precipitação. Quando já é tarde. Quando o corpo machucado depara-se com o não-se-ter-mais-nada-a-remediar. Quando a única esperança são dezenas de pernas que mal conseguem equilibrar-se, feito criança dando os primeiros passos. Quando não há consenso (bom senso). Apenas o comando acanhado de vozes que nem sabem realmente o que fazer. O que fazer?

Aguardar. Vigiar. Acreditar que alguém será capaz de desenrolar aquele intricado novelo em que se metera por sua própria conta e risco. Por enquanto é ficar ali quietinho. Comportadinho. Não atrapalhar. Pernas e vozes continuam trabalhando (faina incansável). Certo ou tarde alcançarão o cadáver de Jeosá.