Infância

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terça-feira, 25 de novembro de 2014

Travessia

Teresina, 21 de novembro de 2014.



Muitas travessias não passam de buscas por algo que se já alcançou. O ser humano feliz, por exemplo, é capaz de se envolver nas mais loucas aventuras porque, não se reconhecendo feliz, precisa, a qualquer custo, desvendar, para depois desfrutar, os mistérios do prazer.

Fernando Pessoa certa vez desabafou: “Triste de quem é feliz”. Permitam-me (Quanta ousadia!) parodiar o poeta português: Triste de quem não sabe ser feliz. Isso mesmo. De que adianta deparar-se com um transbordamento de felicidade, se o que enxergaremos será apenas uma gigantesca onda, destruição?

Acreditem, meus psicopatinhas, aquele maravilhoso jardim do vizinho não é tão maravilhoso assim. Talvez nem seja bonito se comparado a outros jardins. E daí? O que importa mesmo é como percebemos os seres e as coisas, como nos percebemos enquanto jardim. A frustração nada mais é do que se apegar aos fracassos, não compreendendo que esses mesmos fracassos jamais superarão as muitas vitórias conquistadas.

Vocês são vitoriosos, meus meninos. Vocês são vitoriosas, minhas meninas. Todos vocês são felizes. Somos todos felizes. Estamos ao lado das pessoas que amamos. Vestimo-nos de branco para celebrar. Fotografamos incontáveis abraços e sorrisos. Por que então exaltar a despedida? Exaltemos a amizade. Exaltemos os momentos que passamos juntos. Exaltemos a vida. Somente assim seremos dignos das surpresas dispostas ao longo desse novo caminho ladrilhado com pedrinhas de todas as cores.
           

           
            

sexta-feira, 17 de outubro de 2014

Encantamento




Ao professor Thiago Rodrigo

            Maria Helena Fontinele da Silva faleceu em janeiro. Cinco de janeiro. Dois dias após o meu aniversário. Desde então, sonhos recorrentes têm provocado em mim uma sensação de alívio em relação à imensa saudade que sinto. Saudade de filho único. Saudade de quem perdeu aquela que personificava o mais puro amor.
A imagem de minha mãe, deitadinha no ataúde, mãos comportadinhas, expressão faceira como a se gabar das obrigações cumpridas, estará sempre por aqui. Assim como os abraços e beijos e palavras ternas. Também a exagerada confiança em um futuro brilhante para o filho que jamais foi capaz de brilhar. Certamente, o cérebro (maravilhoso córtex frontal) não me decepcionará quando anos mais tarde eu precisar resgatar, apurados todos os sentidos, tais impressões eternizadas na pele, na alma.
Hoje gostaria de compartilhar os sonhos a que me referi no primeiro parágrafo. Sonhos mesmo. Bons sonhos. Nada de confundi-los com pesadelos. Porque neles mamãe está viva. Bem viva. Porque recebeu (recebemos) uma segunda chance. Deus, ressuscitando-a, proporciona a todos nós um recomeço.
E quando acordo não há tristeza. Há a presença de minha mãe. Sim. Estamos juntos novamente. Um milagre aconteceu. Não há angústia. Há a certeza de que ela não morreu. E não morreu mesmo. Depois de conversarmos bastante, de nos renovarmos enquanto mãe e filho, entendemos o valor da verdadeira imortalidade, metáfora do Amor que sentiremos sempre um pelo outro.

sábado, 26 de julho de 2014

Tragicômico



A Machado de Assis

Percebo agora

O encanto do velho bruxo


Grotesco tal qual Molière

(vem do dramaturgo francês também a ironia)

E de Racine o pessimismo
(a parcimônia)

O ser humano destituído de virtudes
(intolerante – intolerável).

 

 

terça-feira, 22 de abril de 2014

Nono Círculo





Os olhos de Joane
De um verde caramelo
Perscrutam assustadinhos
As faces castanhas
Os cílios enormes
A inconstância medíocre
Do pequenino poeta
De sobrancelhas espessas
Cujo nariz colossal
Tal qual cimitarra afiada
Premedita a injúria fatal.







quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

Ternura

           
            Em Parnaíba éramos muito felizes. Meu pai. Minha mãe. Livramento. E eu. Morávamos na Doutor Vieira da cunha. Depois na Teresina. Mas sempre no bairro Nova Parnaíba. Lembro-me do primeiro carro. Um Corcel amarelo. A foto em que estou saindo do automóvel - mamãe ao meu lado sorri com ternura - vestindo uma camisa onde se percebe estampado o desenho do Bidu atiça-me a memória. Não consigo esquecer aquela camisa. Volta e meia ela está ali em minha cabeça disputando um cantinho entre pensamentos outros bem mais recentes. Talvez porque ao apertá-la na altura do peito se pudesse ouvir em alto e bom som o latido do cachorrinho azul.

            Há em mim, de criança ainda, um aperto que não é dor. Uma saudade gostosa de quando andar em uma cadeirinha sobre o guidão da bicicleta de papai era um passeio tão bom. Saíamos sempre à tardinha. Papai pedalava enquanto eu fazendo as vezes de co-piloto procurava evitar as poças de lama. Mamãe impacientava-se com a nossa demora. Deve-se respeitar o horário das refeições - dizia. Papai pilheriava sempre: Vamos comer então!

            Os dois cercavam-me de tamanho carinho que perguntas do tipo: DE QUEM VOCÊ MAIS GOSTA, MENINO?, soavam indelicadas e vulgares.

sábado, 11 de janeiro de 2014

Carta para a minha mãezinha



Mamãe, a senhora me ensinou o verdadeiro significado do Amor. Não foram os poetas. Não foram os filósofos. Muito menos aquela gente tola que insiste em bradar por aí que o Amor é um sentimento alimentado pelo egoísmo. Se a conhecessem jamais escreveriam as asneiras várias que se divulga pelo mundo afora. Se a conhecessem compreenderiam que é possível amar sem nada exigir em troca. A senhora não exigia, mas sei que um tiquinho do nosso carinho e da nossa atenção bastavam para que se sentisse feliz. A verdadeira recompensa consistia mesmo em saber que estávamos bem. Prontinho. O seu dia já tinha valido a pena.
Mesmo Machado de Assis, tão pessimista a respeito da natureza humana, abalou-se diante da morte de sua Carolina. O escritor manteve inalterada a rotina de quando ainda estavam juntinhos. Durante as refeições, por exemplo, arrumava-se a mesa respeitando a “presença” daquela que conquistou o coração de uma das maiores inteligências da nossa literatura. Porque ninguém permanece inalterado quando a saudade, alimentada pela impotência, descarrega seus agressivos raios sobre a cabeça daqueles que amam.
A senhora que sofreu muitas vezes essa dor que somente agora aos 39 anos vivencio, desaprovaria comportamentos dessa natureza. Isso eu sei. Mas confesso, e peço desculpas se parecer por demais extravagante, Ícaro, papai, Viviane e eu guardaremos o paninho que sempre envolvia os seus olhos enquanto dormia e descansava um pouquinho da canseira que dávamos para a senhora. É que para dar trabalho sempre fomos incansáveis. Não mais incansáveis apenas que a senhora, minha mãezinha. Em sua tarefa cotidiana de resolver todos os problemas que nos afligiam descuidou-se de sua saúde. E, negligentes, papai, Ícaro, Viviane e eu esquecemos (ignoramos) que a senhora também precisava de nós.
Apenas não seremos capazes de esquecer (ignorar) cada pedacinho de momento que desfrutamos ao seu lado. O apoio que nos deu é a força que agora nos carrega nos braços. Não há desespero porque entendemos o quão abençoados somos. Afinal, ser amado por uma pessoa tão especial nos faz acreditar que talvez sejamos também especiais.
Não encerrarei com uma despedida, viu? A gente se despede diante da possibilidade de um afastamento. O que não vem ao caso, já que agora, mais do que nunca, seremos inseparáveis. Eis o verdadeiro significado do Amor: SIMPLESMENTE AMAR.