Infância

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quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

Ternura

           
            Em Parnaíba éramos muito felizes. Meu pai. Minha mãe. Livramento. E eu. Morávamos na Doutor Vieira da cunha. Depois na Teresina. Mas sempre no bairro Nova Parnaíba. Lembro-me do primeiro carro. Um Corcel amarelo. A foto em que estou saindo do automóvel - mamãe ao meu lado sorri com ternura - vestindo uma camisa onde se percebe estampado o desenho do Bidu atiça-me a memória. Não consigo esquecer aquela camisa. Volta e meia ela está ali em minha cabeça disputando um cantinho entre pensamentos outros bem mais recentes. Talvez porque ao apertá-la na altura do peito se pudesse ouvir em alto e bom som o latido do cachorrinho azul.

            Há em mim, de criança ainda, um aperto que não é dor. Uma saudade gostosa de quando andar em uma cadeirinha sobre o guidão da bicicleta de papai era um passeio tão bom. Saíamos sempre à tardinha. Papai pedalava enquanto eu fazendo as vezes de co-piloto procurava evitar as poças de lama. Mamãe impacientava-se com a nossa demora. Deve-se respeitar o horário das refeições - dizia. Papai pilheriava sempre: Vamos comer então!

            Os dois cercavam-me de tamanho carinho que perguntas do tipo: DE QUEM VOCÊ MAIS GOSTA, MENINO?, soavam indelicadas e vulgares.

sábado, 11 de janeiro de 2014

Carta para a minha mãezinha



Mamãe, a senhora me ensinou o verdadeiro significado do Amor. Não foram os poetas. Não foram os filósofos. Muito menos aquela gente tola que insiste em bradar por aí que o Amor é um sentimento alimentado pelo egoísmo. Se a conhecessem jamais escreveriam as asneiras várias que se divulga pelo mundo afora. Se a conhecessem compreenderiam que é possível amar sem nada exigir em troca. A senhora não exigia, mas sei que um tiquinho do nosso carinho e da nossa atenção bastavam para que se sentisse feliz. A verdadeira recompensa consistia mesmo em saber que estávamos bem. Prontinho. O seu dia já tinha valido a pena.
Mesmo Machado de Assis, tão pessimista a respeito da natureza humana, abalou-se diante da morte de sua Carolina. O escritor manteve inalterada a rotina de quando ainda estavam juntinhos. Durante as refeições, por exemplo, arrumava-se a mesa respeitando a “presença” daquela que conquistou o coração de uma das maiores inteligências da nossa literatura. Porque ninguém permanece inalterado quando a saudade, alimentada pela impotência, descarrega seus agressivos raios sobre a cabeça daqueles que amam.
A senhora que sofreu muitas vezes essa dor que somente agora aos 39 anos vivencio, desaprovaria comportamentos dessa natureza. Isso eu sei. Mas confesso, e peço desculpas se parecer por demais extravagante, Ícaro, papai, Viviane e eu guardaremos o paninho que sempre envolvia os seus olhos enquanto dormia e descansava um pouquinho da canseira que dávamos para a senhora. É que para dar trabalho sempre fomos incansáveis. Não mais incansáveis apenas que a senhora, minha mãezinha. Em sua tarefa cotidiana de resolver todos os problemas que nos afligiam descuidou-se de sua saúde. E, negligentes, papai, Ícaro, Viviane e eu esquecemos (ignoramos) que a senhora também precisava de nós.
Apenas não seremos capazes de esquecer (ignorar) cada pedacinho de momento que desfrutamos ao seu lado. O apoio que nos deu é a força que agora nos carrega nos braços. Não há desespero porque entendemos o quão abençoados somos. Afinal, ser amado por uma pessoa tão especial nos faz acreditar que talvez sejamos também especiais.
Não encerrarei com uma despedida, viu? A gente se despede diante da possibilidade de um afastamento. O que não vem ao caso, já que agora, mais do que nunca, seremos inseparáveis. Eis o verdadeiro significado do Amor: SIMPLESMENTE AMAR.