Infância

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domingo, 3 de junho de 2018

Pequeníssima crônica da mediocridade





Felipe era mesmo um colecionador de pessoas. Cotidianamente alguma gente lhe despertava uma curiosidade quase vício. Não descobrindo de quem se tratava - é que muitas vezes encontrava-se no ônibus quando em uma calçada qualquer o potencial entrevistado transfigurava-se em sombra até finalmente desaparecer -, carregava para sempre aquela dúvida. Como não gostava de inventar histórias, tais personagens permaneciam em sua memória enquanto imagem contraditória: uma existência impossibilitada de existir.

Aos dez anos - primeiro fracasso - permitiu que escapulisse um senhor de barba branca, cabeleira branca, passos arrastados, um olhar que mais parecia nadinha de nada enxergar. À janela do quarto que desembocava na rua, não fora capaz de abordá-lo. Nenhuma das três vezes. Estático, apenas observava e se questionava a respeito das histórias armazenadas em cada fio grisalho. Chegou a pensar que estivesse diante do Papai Noel. Absurdo. Sentira-se mesmo um zé mané. Que morador do Polo Norte seria capaz de adaptar-se ao calor de Teresina? Passar rapidinho para distribuir presentes, até que vai, mais do que isso, coisa de gente abestada.

Felipe era mesmo um colecionador de pessoas tristes. Nunca se sentira atraído por um sorriso. Cabeças arribadas, peitos estufados e posturas resolutas soavam sempre falsas, senão vulgares. Descobrira, ainda na adolescência, o quão corajosos são os medíocres quando saem de casa. E, faceiros, desfilam de esquina a esquina, de quarteirão em quarteirão. Por isso os admirava e perseguia. Homens e mulheres. Constrangidos para constranger. Sem eles, como seria possível rabiscar a labiríntica face da existência?