Felipe era mesmo um colecionador de pessoas. Cotidianamente alguma
gente lhe despertava uma curiosidade quase vício. Não descobrindo de quem se
tratava - é que muitas vezes encontrava-se no ônibus quando em uma calçada
qualquer o potencial entrevistado transfigurava-se em sombra até finalmente
desaparecer -, carregava para sempre aquela dúvida. Como não gostava de
inventar histórias, tais personagens permaneciam em sua memória enquanto imagem
contraditória: uma existência impossibilitada de existir.
Aos dez anos - primeiro
fracasso - permitiu que escapulisse um senhor de barba branca, cabeleira
branca, passos arrastados, um olhar que mais parecia nadinha de nada enxergar.
À janela do quarto que desembocava na rua, não fora capaz de abordá-lo. Nenhuma
das três vezes. Estático, apenas observava e se questionava a respeito das histórias
armazenadas em cada fio grisalho. Chegou a pensar que estivesse diante do Papai
Noel. Absurdo. Sentira-se mesmo um zé mané. Que morador do Polo Norte seria
capaz de adaptar-se ao calor de Teresina? Passar rapidinho para distribuir
presentes, até que vai, mais do que isso, coisa de gente abestada.
Felipe era mesmo um
colecionador de pessoas tristes. Nunca se sentira atraído por um sorriso. Cabeças
arribadas, peitos estufados e posturas resolutas soavam sempre falsas, senão
vulgares. Descobrira, ainda na adolescência, o quão corajosos são os medíocres
quando saem de casa. E, faceiros, desfilam de esquina a esquina, de quarteirão
em quarteirão. Por isso os admirava e perseguia. Homens e mulheres.
Constrangidos para constranger. Sem eles, como seria possível rabiscar a
labiríntica face da existência?