Cebola chegou “tocando terror”. Aos 56 anos mais parecia o Sméagol, de
O Senhor dos Anéis (os fãs de Tolkien ficariam impressionados com a
semelhança). A magreza excessiva camuflava a força sobrenatural concentrada em
seus braços. Olhava para lugar nenhum. Gritava onomatopeias. E para deixar
claro que ainda controlava a própria existência arrancava vez ou outra a sonda
nasogástrica. Também era recordista em cuspe a distância e especialista em
desatar os nós que aprisionavam o corpo inquieto.
Cebola
– não fomos capazes de alcançar o seu verdadeiro nome – morou os últimos três
anos em um abrigo para mendigos. O funcionário que o acompanhava descrevia-o,
achando tudo muito engraçado, como uma pessoa agressiva e propensa a certos abusos
de ordem sexual. O rapaz adorava quando Cebola ameaçava-o, estendendo a mão
direita, como se empunhasse um revólver. A certeza de que na cama 3 havia um pistoleiro
tarado ensandecido deixou-nos bastante preocupados. Apenas papai dormiu naquela
noite. Edilson – o paciente da cama 1 – e eu jogamos Uno até as cinco da manhã.
Cebola,
cada vez mais traquinas, estabeleceu o caos na enfermaria 2. Não se calava
sequer um instante. Há uma semana acompanhando meu pai, não tivemos manhã mais
agitada. Papai, sempre afeito à tranquilidade, apenas resmungava, enquanto Edilson
e eu colocávamos em prática o plano cruel elaborado durante a madrugada:
despejaríamos o coitado do Cebola.
Graças
à complacência da enfermeira de plantão e a uma vaga que surgiu na enfermaria 4,
livramo-nos do Cebola. Triste sina a sina
desse homem, murmurou meu pai. Edilson, reprimindo o riso e a dor abdominal,
acrescentou: O cara conseguiu ser expulso
de uma cama de hospital. Eu, antecipando faíscas e estrondos, somente pensava
em colheitas e plantações.