Muito
já se escreveu a respeito da produção literária do prosador piauiense Orlando
Geraldo Rego de Carvalho (1930-2013). Na tentativa de melhor compreendê-lo,
pesquisadores chegaram mesmo a desnudar a intimidade do ficcionista oeirense.
Obcecados em desconstruir, para depois reconstruir didaticamente, a angústia, o
medo e a ansiedade, características tão presentes em suas personagens, esses
mesmos estudiosos concentraram-se no autor, confundindo-o com o narrador, e
decidiram primeiro analisar psicologicamente o próprio artista.
Considerada
inacessível e até mesmo indesejável, a intenção
do autor não deve ser utilizada como referência no momento de se julgar a
eficiência de uma obra de arte literária. Compreendendo a intenção como mera pretensão de um escritor, não seria precipitado
admitir o seu êxito apenas realizando uma espécie de adivinhação do que o
artista sentia e pensava no momento da escritura? E mesmo havendo a
possibilidade de se entrevistar qualquer escritor, não há garantias que ele
tenha sido bem sucedido em sua intenção.
Mesmo
que estudos biográficos sejam pertinentes, um dos resultados, quando O. G. Rego
de Carvalho é o autor em questão, é um desfile heterogêneo, algumas vezes
irresponsável, das mais diversas abordagens psicológicas. Há pesquisas, por
exemplo, que identificam que sua escrita não pode ser desvinculada das relações
familiares. Por sua vez, Wintsatt; Beardsley (2002, p. 642) são coerentes ao
alertar: “Devemos atribuir os pensamentos e atitudes do poema de imediato ao
falante dramático e, se de algum modo ao autor, apenas por um ato de inferência
biográfica”. Esclarecem assim que o texto, emancipado de seu escritor, também longe
de pertencer ao crítico, é propriedade, em suas andanças pelo mundo, do
público, que a acolhendo, certamente a perpetuará. Afinal, parafraseando os
autores citados, a obra extrapola aspectos intrínsecos do escritor. No máximo,
vislumbra-se uma afinidade entre autor e narrador:
O emprego da
prova biográfica não precisa envolver a intencionalidade, porque, enquanto pode
evidenciar aquilo que o autor pretendia, também pode evidenciar o significado
de suas palavravas e o caráter dramático de uma elocução (WINTSATT; BEARDSLEY,
2002, p. 647).
As
atitudes do narrador não podem ser explicadas considerando-se a vida pessoal do
autor, pois estaria, assim, arriscando-se o crítico a envolver-se em uma
falácia intencional.
Faz-se
necessário, então, compreender que Ulisses, narrador homoautodiegético de nível
intradiegético de segundo grau, protagonista e herói da novela Ulisses entre o amor e a morte, e O. G.
Rego de Carvalho não são a mesma pessoa, mesmo que tenham vivido nos mesmos
lugares e passado por experiências afins.
REFERÊNCIAS:
CARVALHO, O. G. Rego de. Ulisses entre o amor e a morte. Teresina: Corisco, 1999.
WINTSATT,
Willian Kurtz; BEARDSLEY, Moroe Curtis. A Falácia Intencional. Trad.
Luíza Lobo. In: LIMA, Luiz Costa (Org.). Teoria
da Literatura em suas fontes. Vol. 2. 3. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002. p. 639-656.
Texto apresentado à disciplina Literatura: Perspectivas Críticas e Culturais, ministrada pela prof.ª Dr.ª Maria do Socorro Baptista Barbosa, Mestrado Acadêmico em Letras.