Infância

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segunda-feira, 15 de junho de 2009

Ícaro


O homem deseja. Perfeito. Maravilhoso. Logo a aspiração torna-se realidade. Não realizaremos, individualmente, todos os sonhos (verdade inquestionável). Mas, aqui e ali, de grão em grão, e prontinho: minhas conquistas somadas às conquistas alheias resultam em um emaranhado de incontáveis possibilidades. Como se um gênio da lâmpada realizasse todos os desejos da humanidade, distribuindo-os entre cada um de nós. Fernando Pessoa, em sua obra Mensagem, já anunciava: “Deus quer, o homem sonha, a obra nasce”. Até mesmo quando Ele não quer, acrescentariam os mais irônicos. Apenas para contrariar o poeta português.

Motivado pelo comentário de um colega professor, resolvi escrever este artigo. De orientação – religiosa, filosófica e psicológica – duvidosa, o mestre arremessou o seguinte comentário, a respeito do acidente aéreo, envolvendo o voo 447, da Air France: “Homem não foi feito pra voar. Se fosse pra voar nascia com asas que nem passarinho”. Passarinho. Titica de passarinho. Pensei. Elaborei. Calei.

O professor em questão ainda acredita que as asas de Ícaro foram destruídas pelo calor. Permanece confuso em descomunal ignorância entorpecida. A falha no funcionamento do Pitot (“O tubo mede a pressão frontal do ar e a compara com a pressão que entra por orifícios laterais.”), provocada pelo gelo que impede a entrada do ar, é considerada a causa mais provável da queda do Airbus. Bastaria que meu imprudente colega de profissão assistisse ao filme Homem de Ferro (Iron Man), para que a ingenuidade literária fosse substituída pela realidade científica. Ao tentar voar cada vez mais alto, tal qual o filho de Dédalo, Tony Stark, interpretado por Robert Downey Jr., é surpreendido pelo congelamento da armadura. O problema será solucionado logo nas cenas seguintes. Atitude que a Air France não tomou, mesmo consciente de problemas semelhantes registrados em algumas aeronaves.

Entusiasmado pelo Botafogo, um amigo perdeu recentemente a oportunidade de assistir a um clássico no Rio de Janeiro. Tudo porque não considera a possibilidade de voar. Assim como a de meu companheiro de profissão, sua opinião é imperturbável: “Lugar de gente é no chão. Em terra firme”. Para cada 10 milhões de voos de aeronaves de grande porte, apenas 4 acidentes. De acordo com o psicólogo e psicanalista Robert Wolfger, o medo de voar é irracional. E acrescenta: “Uma pessoa teria de voar todos os dias durante 3.400 anos para se tornar uma vítima”. O medo de voar, segundo o especialista, “é desproporcional aos verdadeiros riscos da aviação”.

O medo, estatisticamente, é, certamente, desproporcional. Mas não há coleta de dados que enfraqueça – concluo - os seguintes comentários empíricos: “Envie esses dados para as famílias das vítimas”, esbravejou o professor. “De repente é o dia do piloto”, ironizou o botafoguense.