DUMAS, Alexandre. Os três mosqueteiros. Rio de Janeiro: Zahar, 2011.
Logo na rubrica do prefácio de
Os três mosqueteiros, Alexandre Dumas
preocupa-se em esclarecer: (...) os heróis da história que teremos a honra de
contar aos nossos leitores nada têm de mitológicos”. Ao considerarmos que o
mito se sobrecarrega de elementos fantásticos, muitas vezes alegorias do Bem –
aqui representado pelos mosqueteiros Aramis, Athos e Porthos, bem como pelo
jovem aspirante a mosqueteiro d’Artagnan – e do Mal – materializado na figura
do cardeal Richelieu -, perceberemos que o discurso do autor visa apenas
conferir maior verossimilhança a uma obra repleta de personagens históricos
envolvidos em situações fantasiosas.
A obra Os três mosqueteiros, enquadrada no rol dos romances históricos,
opta por uma visão maniqueísta da sociedade francesa. O rei Luís XIII e sua
esposa Ana da Áustria, vítimas constantes dos desmandos e tramoias do primeiro-ministro
Richelieu, encontram em seus mosqueteiros, liderados pelo capitão sr. de
Tréville, poderosos escudos contra os ataques de um cardeal preocupado – e tão
somente – em desestruturar o casamento real, afirmando, por conseguinte, a sua
própria autoridade.
A França da primeira metade do
século XVII, período em que se desenrola a narrativa, era um país eminentemente
católico. Ali, a Igreja exercia poderosa influência nos assuntos de Estado. Não
é, portanto, coincidência que um membro do clero se converta em chefe de
governo. E mais, longe de tentar enfraquecer o poder do rei, Richelieu foi, na
verdade, o responsável pela consolidação do Absolutismo francês, assim
fortalecendo o poder monárquico. Bem diferente da personagem que nos é
apresentada por Dumas, o Richelieu histórico não pretendia desmantelar o
reinado de Luís XIII, tornando-se ele mesmo um provável substituto. O primeiro-
ministro sabia mais do que ninguém que em um regime monárquico o poder é
transmitido de forma hereditária. Ao fortalecer a monarquia, o cardeal
Richelieu deixa bem claro que, em sua ambição, melhor mesmo para a Igreja é
permanecer ao lado de reis fracos e despreparados. Por que destronar, como é sugerido
em diversas passagens de Os três
Mosqueteiros? Melhor mesmo continuar manipulando. Eis o Richelieu histórico
contrariando aquele Richelieu mesquinho – o primeiro-ministro construído por
Dumas – constantemente envolvido em intrigas domésticas.
Ora, o romancista não é
historiador, é ficcionista. E enquanto ficcionista livre das amarras
engendradas por uma suposta verdade histórica. Suas personagens são o que são,
maravilhosas como são, justamente porque alcançam possibilidades que nenhum
historiador ousará vislumbrar; possibilidades que brotam da fertilíssima terra
da imaginação.