Infância

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quinta-feira, 26 de outubro de 2017

Ficção e História


DUMAS, Alexandre. Os três mosqueteiros. Rio de Janeiro: Zahar, 2011.


Logo na rubrica do prefácio de Os três mosqueteiros, Alexandre Dumas preocupa-se em esclarecer: (...) os heróis da história que teremos a honra de contar aos nossos leitores nada têm de mitológicos”. Ao considerarmos que o mito se sobrecarrega de elementos fantásticos, muitas vezes alegorias do Bem – aqui representado pelos mosqueteiros Aramis, Athos e Porthos, bem como pelo jovem aspirante a mosqueteiro d’Artagnan – e do Mal – materializado na figura do cardeal Richelieu -, perceberemos que o discurso do autor visa apenas conferir maior verossimilhança a uma obra repleta de personagens históricos envolvidos em situações fantasiosas.
A obra Os três mosqueteiros, enquadrada no rol dos romances históricos, opta por uma visão maniqueísta da sociedade francesa. O rei Luís XIII e sua esposa Ana da Áustria, vítimas constantes dos desmandos e tramoias do primeiro-ministro Richelieu, encontram em seus mosqueteiros, liderados pelo capitão sr. de Tréville, poderosos escudos contra os ataques de um cardeal preocupado – e tão somente – em desestruturar o casamento real, afirmando, por conseguinte, a sua própria autoridade.
A França da primeira metade do século XVII, período em que se desenrola a narrativa, era um país eminentemente católico. Ali, a Igreja exercia poderosa influência nos assuntos de Estado. Não é, portanto, coincidência que um membro do clero se converta em chefe de governo. E mais, longe de tentar enfraquecer o poder do rei, Richelieu foi, na verdade, o responsável pela consolidação do Absolutismo francês, assim fortalecendo o poder monárquico. Bem diferente da personagem que nos é apresentada por Dumas, o Richelieu histórico não pretendia desmantelar o reinado de Luís XIII, tornando-se ele mesmo um provável substituto. O primeiro- ministro sabia mais do que ninguém que em um regime monárquico o poder é transmitido de forma hereditária. Ao fortalecer a monarquia, o cardeal Richelieu deixa bem claro que, em sua ambição, melhor mesmo para a Igreja é permanecer ao lado de reis fracos e despreparados. Por que destronar, como é sugerido em diversas passagens de Os três Mosqueteiros? Melhor mesmo continuar manipulando. Eis o Richelieu histórico contrariando aquele Richelieu mesquinho – o primeiro-ministro construído por Dumas – constantemente envolvido em intrigas domésticas.
Ora, o romancista não é historiador, é ficcionista. E enquanto ficcionista livre das amarras engendradas por uma suposta verdade histórica. Suas personagens são o que são, maravilhosas como são, justamente porque alcançam possibilidades que nenhum historiador ousará vislumbrar; possibilidades que brotam da fertilíssima terra da imaginação.

RESENHA APRESENTADA À DISCIPLINA FICÇÃO E HISTÓRIA, MINISTRADA PELO PROF. DR. FABRÍCIO FLORES (MESTRADO ACADÊMICO EM LETRAS-UESPI)

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