Infância

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terça-feira, 15 de maio de 2012

Perder-se



A escuridão não se libertará da escuridão. Sequer um resquício de luz no túnel. O túnel é a própria escuridão. Jeosá, enquanto prisioneiro de Jeosá, já não enxerga a escrivaninha. O guarda-roupa. A espingarda de canos duplos paralelos. Não enxerga a cama. Nem a própria escuridão. Jeosá não enxerga a si mesmo.
     Imagem intolerável do espelho – plano (?); côncavo (?); convexo (?) - que nada reflete. Raios luminosos não atingem os olhos do espectador. Há um vazio naquela superfície lisa. A mesma sensação experimentada por quem olha para o rosto de uma pessoa querida e não mais percebe os traços que a individualizam. Imortalizam.
     Quando a mãe de Jeosá invadiu o quarto não havia quarto. Encontrou apenas o beco e o muro que separava a casa da casa vizinha. Aterrorizada, gritou o nome do filho. À procura dos móveis que preencheriam o cômodo inexistente, a mulher agrediu a pedra branca pintada com cal. Apenas se acalmou quando o vermelho, deslizando pela parede, atingiu-lhe os pés.
     A verdade é que Jeosá não apertou o gatilho. Nunca houve uma espingarda de canos duplos paralelos. Nunca houve Jeosá. Apenas metáfora de. Onomatopeia de. Passeio sinestésico. Ideação suicida. 

     Esperança de. Não mais existir.