Nicanor em Parnaíba. Rua Teresina. Diante do 576. Naquele instante a ambulância do SAMU gritava-gritava a morte de Jeosá. Nicanor encarava as luzes vermelhas da sirene girando-girando impacientes. Não entendia o desapontamento que o incomodava. Afinal, estava ali para matar o professor de literatura. E Jeosá facilitara tudo ao disparar – voraz espingarda de canos duplos paralelos - contra a própria cabeça.
A mãe do professor
lamentava o trabalho que teria para limpar toda aquela bagunça. O quarto estava
que estava uma sujeira só. Fumaça e pólvora. Sangue. Cálcio. Fósforo. Sódio.
Colágeno. Fragmentos de hipocampo e de hipotálamo ainda pairavam sobre a cama. E
a sombra de Jeosá. Sombra rubra. Entre o guarda-roupa e a escrivaninha. Sombra
rubra. Sentadinha no parapeito da janela ao fundo. Sombra rubra. Projetada nas
paredes laterais. Sombra rubra. Agarrada ao gesso. Esforçando-se para não cair.
Agora Nicanor no
quarto de Jeosá. O escritor não se lembra de ter percorrido qualquer outro
cômodo da casa. Estivera o tempo todo ali? Surpreenderam-lhe os novecentos e
noventa e nove círios acesos. Logo observou que o fogo não consumia a parafina.
Aquelas velas arderiam sempre-sempre? E o que fazia segurando uma espingarda de
canos duplos paralelos? E por que Jeosá, sentadinho na cama, implorava para que ele não atirasse? O escritor não seria capaz de matar o professor. Não mesmo? Ágatas
ocres encararam ágatas ocres. Oito olhos de jabuticaba. Testemunhas mudas de um
suicídio. De um assassinato?
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