Infância

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quarta-feira, 20 de junho de 2007

Dois Enterros


O velório acontecia no Cemitério da Fraternidade. Apenas três pessoas encaravam o caixão. Como o frei Barbosa, amigo íntimo da família, recusara-se a comparecer ao singular evento, a esposa, o filho da esposa e Antonio João eram os únicos ali.

Malditas bactérias anaeróbias. O empresário resmungava a cada minuto. O que pretendiam? Devorá-lo por inteiro? Imaginariam que, acomodado, não as enfrentaria? E seu dinheiro, não serviria sequer para pagar o algoz que lhe deceparia a perna?

Antonio João sentia-se como um soldado recém chegado do campo de batalha. Conseguira sobreviver, mas a que custo? Passar o resto da vida numa cadeira de rodas não fazia parte do plano. Muito menos assistir àquele estúpido ritual funerário.

A esposa e o filho da esposa organizaram tudinho. A perna de Antonio João não seria atirada aos porcos. Nadinha, nadinha de economizar. Embalsamar. Velar. Sepultar. Conforme o amor e a intensidade do amor que sentiam pelo homem que, embora orgulhoso e arrogante, sempre cuidara bem da família. Embalsamar. Velar. Sepultar. Conforme a estranha necessidade de não perder o controle da situação.

Antonio João, percebendo que não convenceria a esposa e o filho da esposa a recuarem diante do absurdo do absurdo espetáculo que promoviam, impôs uma condição: o ataúde, pequenino, permaneceria fechado o tempo inteiro. Não suportaria o vexame da situação. Só não compreendia o que era de fato mais humilhante, se ter a perna enterrada sem o corpo, se ter, no futuro, o corpo enterrado sem a perna.

Um comentário:

Anônimo disse...

Surpreendente!

Engraçado!

Adorei!

Margareth Reis