Infância

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segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Transitório


Escreverei sobre a fragilidade de meu pai. Meu pai enquanto representante de todos os pais deste mundinho familiar que nos habita. Também assumirei a angústia dos filhos – impotentes – diante do tempo, adversário poderoso.

Na verdade, a crônica de hoje não é uma prestação de serviço. É mais um desabafo. Uma comunhão. Um desembrulhar de idéias que me assombram há alguns meses. Recorro às palavras para materializar – tentativa vã – o aperto no peito. A respiração difícil. As terríveis insônias. Apelo a você, leitor, capaz de apreender o medo – saudade antecipada – de perder alguém tão querido, um tiquinho de paciência e resignação. A mesma paciência e resignação que eu não seria capaz de oferecer. Nadinha de mimos por enquanto.

Papai envelheceu dez anos em dois anos. Como não moramos na mesma cidade, as visitas são esporádicas. O que me permite maior percepção da ruína instalada em seu corpo. Esporadicidade que nos tem distanciado além da distância geográfica. Ao telefone, instala-se rapidamente a função fática. Feito dois estranhos resmungamos bobagens. Calor, chuva e escândalos políticos ocupam boa parte da conversa. Há bastante silêncio entrecortando o falso diálogo. Ao desligar, desfruto a frustração, companheira dos espíritos medíocres.

Como fazê-lo perceber sentimentos tão fortes, se não há nobreza em minhas atitudes? Sou filho único. E mal consigo retribuir o carinho e a atenção recebidos. Imagino o quão sozinho deve ser o meu pai. E sofro (Sabe aquele sofrimento bom?), imaginando-me em seus braços. Sofro porque há muitos anos tenho me fechado para o homem que me embalava todas as noites. Postado ali, pertinho da porta, empurrava, delicadamente, a rede. Cantarolava baixinho as mesmas canções.

Moramos durante dez anos em um pedacinho de casa. Parnaíba. Rua Dr. Vieira da Cunha. Naquela época, meu pai era um mágico poderoso. Transformava o minúsculo corredor que dava acesso à cozinha em nosso campinho de futebol. O dinheiro era pouco (Ser mago não rendia lá essas granas!), mas papai sempre dava um jeito de retirar da cartola histórias que me encantavam.

Muitas vezes severo, permanecia atento a todos os meus movimentos. Entre um carão e outro, olhava-me com olhos afetuosos de compreensão. Mamãe confidenciou-me, em certa ocasião, as lágrimas de meu pai. Seu Edimar chorava após uma discussão comigo. Soluçava bastante. Sentia na pele, da maneira mais terrível, as possibilidades e impossibilidades do amor.

Ninguém mais, leitor, terá a capacidade de me conduzir pelas ruas de Parnaíba com tamanha presteza e dedicação. A cadeirinha sobre o guidão da bicicleta fora responsável pelo meu primeiro deslumbramento a respeito da beleza dos seres e das coisas.

2 comentários:

Fransuério disse...

Acredito que grande parte dos filhos e pais da nossa época, meu amigo A.josé, tenham as mesmas agonias e frustrações, a educação que nos foi dispensada não cabia ser fraco, mostrar os sentimentos. Porém, hoje temos a maturidade para entendermos que demostrar carinho, amor, chorar, sorrir, brincar não nos faz fraco, pelo contrário nos tornar um ser humano melhor. Por tudo isso, amem mais, brinquem mais, sorriam mais, a sejam mais bobos não percam tempo com aquilo que não vale a pena, viva com amor e carinho todas as oportunidades de estarmos juntos. Nós não somos criaturas perfeitas estamos em constante melhoramento.

Fransuério disse...
Este comentário foi removido pelo autor.