Infância

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sexta-feira, 25 de junho de 2010

Atrevimento


Desdém. Soberba. Presunção. Arrogância. Pedestres desafiando automóveis. Imprudência. Tolice. Idiotia. Precipitação. Delirar feito Ícaro e despencar de um ego-altura-notável. Vaidade. Bazófia. Filáucia. Orgulho. Perceber-se um império esquecendo que os impérios certo-tarde-cedo, arruinados, desaparecerão.

Sou professor de literatura há 15 anos. Adoro o meu trabalho. Cultivo uma paciência poucas vezes abalada pelo comportamento arredio de discípulos “psicopatinhas”. Relacionando autores, obras e características das mais diversas escolas literárias ao cotidiano dos alunos, consigo estar juntinho-pertinho-coladinho da maioria. As experiências dos “meus” adolescentes tornam-se, constantemente, maravilhosos espetáculos (desabafos) durante as aulas.

Apenas não tolero a ignorância. O não querer pagar-responder-assumir-encarar provoca em meu espírito, tão afeito à harmonia, uma explosão-destruição jamais vista em qualquer guerra de até então. Pois não. E assim, mais parecendo um desses soldados matar-ou-morrer, armado do mais sofisticado instrumento de provocação, disparo argumentos que sequer atingem qualquer coisa que seja inimigo ou civil inocente.

Camarinhas de sangue anunciam meu corpo enquanto único corpo ferido durante o combate. Maldita consciência que me conduz à reflexão. Compreender o quê? Conversar com a coleguinha, atrapalhando o andamento da aula, tudo bem. Mas sentir-se ofendida-constrangida ao ser interrompida pelo professor é um filme de terror daqueles filmes de terror em que todos os mocinhos são assassinados – e com requintes de crueldade.

Assim fui afrontado por uma aluna da segunda série do ensino médio:

- Eu faço o que quiser. Onde quiser. Quando quiser.

O leitor é capaz de enxergar-imaginar a minha cara de bobo? E a postura deus-meu-o-que-digo-agora? Como enfrentar alguém tão poderoso? Adversários onipotentes não constam do catálogo de adversidades elaboradas, estrategicamente, para estressar o professor. Muito menos há em sala de aula um mural com respostas selecionadas especialmente para ocasiões dessa natureza.

Na condição de quem não faz o que quer, onde quer e quando quer, conduzi a moçoila à coordenação. Regras são regras. Deixei-a sentadinha – olhos esbugalhados amaldiçoavam o professor e todos os filhos do professor. Retornei para a sala. Contrariado. Desanimado. Encerrar a aula, dez minutos antes de tocar o sinal, foi o máximo de liberdade-revolta que ainda consegui manifestar-desfrutar.

8 comentários:

Marcos Nery disse...

É amigo!
Esse é o que pode associado ao critério "ossos do ofício". E que osso de dinossauro esse não é mesmo?
Sua crônica é um ótimo desabafo para todos nós que sentimos as agruras dessa nobre(?) profissão...
Parabéns!
M. Nery

Anônimo disse...

Que Bela imagem...
Uma árvore no centro, o sinuoso caminho do homem, o sábio homem de um caminho sinuoso, a realidade à volta... um anjinho...

Não é fácil ser professor. O que ameniza o dia a dia em sala de aula é o gostar da profissão e a certeza, que cada um desses profissionais apaixonados tem, de que a exceção não é a regra e de que quando importantes valores, como o respeito, não são encontrados nem podem ser ensinados pela escola porque, muitas vezes, sequer são cultivados em família, há ainda o belo e encantado mundo (com seus edificantes caminhos sinuosos) sempre disposto a ensinar – e sem didática alguma...

... Bela mesmo!

Bia Magalhães disse...

Eu fico imaginando em casa, com seus pais como deve ser o comportamento de uma pessoa que trata o melhor professor de literatura que já tive, e fala que pode fazer o que bem quer na hora que quer. Mimadinha deve ser. O melhor a dizer é: " Deus ela não sabe o que faz!".
Beijos

Unknown disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Unknown disse...

Adorei a crônica, bem elaborada. Realmente ser professor pode até não ser fácil, agora dificil é conviver com alunos sem educação. Pq tratar um amor de pessoa que vc é, do jeito q essa moçoila tratou , tem que ser mal educada mesmo;;;

H.R. disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
H.R. disse...

Ótimo texto!

As pessoas já estão nascendo atrevidas. A cada nova geração, os "bebês" nascem quase que repetindo a frase que essa aluna disse a você.

O que fazer?

Bom... ser diferente, é um passo difícil, mas julgo necessário.
Momentos onde a intolerância bate à porta é justamente para libertar aquela que se encontra dentro de nós, algumas vezes bem incubada, outras vezes esperando um estalido.

Belo texto!

Jéssica Sequeira disse...

Penso que, se eu respondesse assim aos meus professores ia para a rua com falta disciplinar!

É professor há 15 anos.. Oh Deus, nessa altura ainda nem eu existia :D

Estive lendo os seus textos, gostei muito.
Estou seguindo o seu blog.
Dê uma olhada no meu, agradecia ;)

Beijo *