Infância

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quarta-feira, 2 de junho de 2010

Jeosá e a solidão



Não há velas no quarto. Ainda. Nenhuma espingarda de canos duplos paralelos repousa na escuridão. Até então. As sombras não assopram conselhos no ouvido esquerdo do professor. Lençóis arrumadinhos. Limpinhos. Engomadinhos. Entre o guarda-roupa e a escrivaninha rebenta o vazio. A solidão.

Oito olhos de jabuticaba, aos pares, ostentam uma roxura bem mais sombria que o mais sombrio dos pensamentos de Jeosá. Oito olhos de jabuticaba, aos pares, quietinhos nos cantinhos superiores da alcova. Duas ágatas ocres assustadas piscam-piscam ininterruptas. Duas ágatas ocres despejando lágrimas e aflição.

Jeosá sossega enquanto os amigos, tão cheios de carne e júbilo, morrem. Jeosá espreita a morte enquanto a morte impaciente destrói aqueles que sequer chegaram a contemplá-la – a ruína. E Jeosá absorve, feito esponja, todos os estranhos sentimentos que habitam cabecinhas talentosas. E Jeosá vislumbra a própria sorte – espingarda de canos duplos paralelos -, satisfeito porque não será arremessado de um carro ou mesmo esmagado por um caminhão.

Lá fora a mãe arrasta-se de um lado para o outro. O mundinho daquela mulher resume-se às extremidades da casa. Da cozinha para o terraço. Do terraço para a cozinha. Da cozinha para o terraço. Vez ou outra um intervalo diante do quarto do filho. Nenhuma palavra. Apenas a respiração apressada, o desejo reprimido de amar, a maternidade gritando carinho e atenção.

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