Infância

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quinta-feira, 15 de março de 2007

Aula da Saudade




Se o professor de literatura não for capaz de estabelecer um vínculo entre aluno, obra e autor, as aulas, acreditem, serão medíocres e desestimulantes.

Antonio José Fontinele


Aula de Literatura: enquanto alheamento do espírito, reflexão.

Antes de começar a digitar, vieram-me à lembrança grandes escritores que convivem comigo desde o dia em que descobri na leitura a mais perfeita de todas as fugas. Compreendam: ler é ao mesmo tempo abandonar a mediocridade de todas as coisas e sentir na pele e na alma o quão medíocre somos os homens. E não poderia deixar de ser assim. Uma crônica literária. Metalinguagem pura. Intertextualidade do princípio ao fim.

Minha primeira (intensa) experiência literária aconteceu por volta dos doze anos de idade. Epifania. A biblioteca do SESC era o meu passeio de todos os dias. Assis Brasil. Fontes Ibiapina. Graciliano Ramos. Carlos Drummond de Andrade. Gabriel Garcia Marques. Mário Vargas Losa. O Inconfundível Machado de Assis. Devo a eles a minha paixão pela palavra e a minha embriaguez (ah, estados alterados de consciência!). Devo a eles personagens, enredos e versos que fizeram de mim professor de literatura. A minha missão: divulgá-los. A minha missão: desmitificá-los. A minha missão: arrancar a máscara de velhos chatos imposta por professores velhos e chatos (quanta crueldade com os meus escritores!). A minha missão: fazer do cotidiano instrumento de compreensão da realidade. Mimese. Não importa onde moro. Não importa quem eu (penso que) sou. Quantos Romeus não estarão assistindo às minhas aulas. Quantas Capitus não estarão agora mesmo lendo este desabafo. Quantos Riobaldos não estarão confusos porque não compreendem ou aceitam sentimentos tão profundos. Quantas frustrações ou conquistas não se confundem no instante em que uma página é vencida. Catarse.

Professor, o que quer dizer epifania? Leia Clarice Lispector.

E Mimese, significa o quê? Aristóteles.

Catarse já é molecagem, professor. Satisfação.

Edgar Allan Poe, em suas Histórias Extraordinárias, conta-nos a aventura de um homem que sofria de catalepsia (caracterizada por extrema rigidez muscular). Ou seja, o indivíduo ao desmaiar mais parece que morreu. Ora, se no conto de Poe, uma sepultura é metodicamente construída para que o homem não seja enterrado por engano, aqui mesmo em Parnaíba, litoral do Piauí, no bairro São José, o defunto sentou no caixão durante o velório. Dizem que não ficou um vivente. Nem os parentes do Lázaro. Já Fontes Ibiapina, em seu Palha de Arroz, nos apresenta a louca Genoveva (Peixe Podre). Casada com Pau de Fumo, a mulher enlouquece após a morte da filha. Disso eu sei. Mas não sei (eu que vivi no Bairro Nova Parnaíba) quem era de fato Tia Laura. Muito menos conheço a história do Papagaio do Cu Pelado. Por que este senhor usava algodões enfiados no nariz? Por que aquela mulher tão pequenina ficava irritada quando gritávamos Tia Laura, cadê o bode? E, finalmente, como desvendar os mistérios do Porto das Barcas sem ter lido Beira Rio, Beira Vida? Então. Então.

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