Infância

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quarta-feira, 14 de março de 2007

Purgatório




Rodolfo agarrara-se aos braços da cadeira. As pernas entrelaçadas às pernas da cadeira. Depois de duas horas ainda não acreditava nos últimos acontecimentos. Em alguns momentos de rara precipitação chegara a agredir o próprio corpo na esperança de despertar daquele sonho imbecil.

Logo ele que nunca pensara em voar. De aviões ou qualquer maluquice de inventar de brincar de pássaro queria mesmo era distância. Agora estava ali. Desde o início da madrugada tentando convencer os sentidos da existência de uma força gravitacional que oprimia todos os corpos menos o seu corpo.

Ainda bem que não se desfizera daquela cadeira velha. A velha cadeira de seu pai. Pesada. Tal qual a mão que arremessava correias de couro contra o seu couro de menino. Cogitara atear-lhe fogo. Quando o velho morreu, a sepultura envolveu-lhe o corpo, mas era naquele móvel onde o fantasma repousaria. Não imaginava sentar ali um dia. No colo de seu pai. Muito menos lhe segurar os braços com tanta força. Os braços fortes de seu pai.

O que estaria acontecendo de fato? Que força mística mítica sobrenatural provocaria tamanha confusão? Mais parecia um daqueles prisioneiros norte-americanos naquelas matérias sensacionalistas sobre o corredor da morte. Meu deus. Quando a alavanca seria acionada? Quando a descarga elétrica acabaria com a agonia?

Não havia agonia. Mas isso Rodolfo não sabia. Não sabia também que nada mais poderia atingi-lo. Rodolfo estava morto. O fantasma era ele. Prisioneiro da cadeira de seu pai. Precisara morrer para enfrentá-la. Mas ao enfrentá-la sentira-se mais vivo do que quando estivera vivo. Assustado. Mas vivo. Confuso. Mas vivo. Se abrisse os olhos, enxergaria as velas. Certamente, não desgrudaria os olhos do caixão. Havia velas em torno de um caixão. E em torno das velas e do caixão havia pessoas. E em torno das pessoas a sombra onipresente do pai.


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