Infância

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segunda-feira, 19 de março de 2007

Jeosá



Difícil pensar em alguma coisa quando se tem uma espingarda de canos duplos paralelos arregaçando-lhe a boca. Nem mesmo as lágrimas que lhe umedeciam os olhos, foram capazes - naquele instante - de despertar no professor de literatura algum tipo de idéia - não fosse a idéia de que no instante seguinte estaria morto. E como - tolice! - considerar a morte, se após o disparo, gelado e resignado e inerte.

Planejara tudinho. Inclusive apoiar-se na cabeceira da cama - o móvel fora arrastado até a parede - para que o corpo repousasse em colchão macio. Simulara, dezenas de vezes, a explosão. Chegara mesmo a antecipar - ignorante - a posição em que seria encontrado. Não agradava a imagem do cadáver - braços e pernas desengonçados - feito marionete esquecida no palco pelo manipulador. E menos ainda a condição indigente do bêbado que, sufocado pelo próprio vômito, agoniza enquanto, enojada, a humanidade brinca do faz de conta de nada entender.

Morreria e pronto. Estéril. Num piscar de olhos. Morreria e pronto. Aliviada, a mãe desmancharia a mancha de sangue – última lembrança do filho – e não mais lastimaria. A maldita corrente genealógica de fracassos – cobra robusta e traiçoeira – libertaria os lefontenes.

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