Infância

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quinta-feira, 15 de março de 2007

Jeosá e a Escuridão




Há na escuridão o incontido desejo de ser luz. Assim blasfemava Jeosá enquanto riscava mais um fósforo. Se mil velas no quarto, apenas uma queimava. Porta fechada. Janela fechada. De onde viria o sopro? De alguma fresta, talvez. Ou do próprio infernoportões escancarados em lamentação - , ou de qualquer fantasma zombeteiro e desocupado, ora ocupando-se em tarefas inúteis.

Parnaíba era assim mesmo. Consolava-se. Enquanto chuva, negrume. Paciência. Impacientava-se. O cheiro da pólvora, insuportável. Preferia não deitar. Fosse defunto, tudo bem. Mas não repousaria, alucinado, no próprio velório.

Quem esbanjaria tempo pranteando-lhe a matéria? Joane não apareceria. E de que vale morrer, se nem mesmo os mortos desejam a minha companhia? Mais um fósforo. Frustração. Apenas sombras contorcendo e retorcendo e gemendo a dor de todas as dores que somente a solidão é capaz de aprontar.

Se luz, seriam outros (os sentimentos). Mas a chama titubeava bruxuleante. Sentadinho, entre o guarda-roupa e a escrivaninha, Jeosá deslocava a cabeça para frente e para trás, enquanto os joelhos tocavam o peito de tão diminuidinho que estava.

Quando a mãe, por volta das dez horas da manhã, entrou no quarto - novecentas e noventa e nove velas acesas -, Jeosá não existia mais. Esparramado na cama, ao lado de uma espingarda de canos duplos paralelos, havia um homem. Mas aquele homem não era o professor de literatura. O professor traspassara o espelho feito espírito de luz.

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