Infância

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quinta-feira, 15 de março de 2007

Fantástico




Quando José Felipe acordou – naquela manhã de janeiro de 1975 - o que havia de José Felipe era apenas a cabeça (E o pescoço!). Denotativamente falando, não restara nadinha do corpo. Sobre a escrivaninha, os objetos de sempre. Arrumadinhos. Nada de sangue, ou qualquer sinal de luta. Tudo muito organizado. Como se o crânio repousasse toda a vida ali.

Até que os membros não fizeram tanta falta. Doentinho, chegara a dizer que seus membros eram inferiores e inferiores. Galhofeiro, o professor brincava ao se referir ao pênis que, segundo ele, não chegara a ser um rapaz viril.O tronco também não era lá essas coisas. Camões servindo feito uma luva: “Que mal me tirará o que eu não tenho?”.

O que incomodava de verdade – José Felipe explicava aos curiosos que não saíam do quarto – era a sensação dos pés e das pernas e das coxas e das mãos e dos antebraços e dos braços. Quase rolara algumas vezes por causa de movimentos bruscos e inconseqüentes. Algumas vezes lançava o seguinte questionamento: só porque não vejo minhas mãos não significa que não estejam aqui. Perturbação.

O professor morreu em fevereiro. Algumas impossibilidades fisiológicas tornaram sua existência algo no mínimo extravagante. Mas a fortuna que a família imaginava lograr da ciência jamais chegou. Naquela fúnebre manhã carnavalesca o que havia na escrivaninha era apenas um espaço de área finita onde outrora havia o gênio de José Felipe.

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