Infância

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quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

O Assassinador (PRIMEIRA PARTE)


Meia-noite. Hora de voltar para a casa. A irmã acordada. Na sala. Impaciente. Meia-noite. Igual a tantas outras noites. Feito cobra arrastando-se pelas margens dos rios. Vez ou outra aqui. Vez ou outra acolá. Parnaíba. Poty. Até, finalmente, depois de visitar os mais diversos bairros da capital - os passeios estendiam-se durante todo o ano - deparar-se com o deslumbramento que era o encontro das águas. Parnaíba. Poty. Conceição. Os cotovelos no parapeito da janela. Encarando o portão de ferro. Sonhando com o gemido seco das dobradiças enferrujadas. Seria dali que o irmão, cúmplice da escuridão - maltrapilho, cansado, ensanguentado -, regressaria para o amor dos braços gordos, dos peitos enormes, das coxas macias.

Aquela semana não fora das melhores. Três mulheres. Apenas uma vítima. Há dez anos não eram tão espertas. Há dez anos mataria uma a cada dia se tivesse disposição para tanto. Imprudentes. Frágeis. Assustadas. A irmã alertava. Aconselhava. Toma cuidado, menino. Cria juízo, cão dos inferno. Mas assim, sem titubear, continuava matando, estuprando, esquartejando. Há dez anos. Tu ainda vai acabar sendo preso, criatura. Há dez anos. Deixa de conversa besta, Ceição. Quem é que me pega, quem é?

Aquela semana não fora das melhores. Maria José e Maria das Dores pressentiram o perigo. Em que vacilara? Passo em falso. Precipitação. Duas noites perdidas. Conceição nem perguntou nadinha de nada. Sabia que não havia remédio. Conhecia bem o irmão. Era conformar-se. Deitar-se na cama e dormir. Crispim descansaria mesmo no alpendre. Estirado na rede. Faminto. Envergonhado.

Maria Celeste não tivera a mesma sorte. Enquanto o portão automático deslizava pacientemente, a abordagem. Saíra tudo conforme o planejado. O desespero. A súplica. O dinheiro e o carro ofertados àquele deus de carne e osso. Dirige, dona Maria! Dirige que eu sei o que tô fazendo. A resignação.

(CONTINUA...)

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